André de Meijer, 09/12/2019
Nesta carta gostaria de lhes apresentar duas sugestões para presentes de Natal. A primeira é um CD musical, lançado este ano e a segunda é um romance histórico, publicado há cinco anos, mas que descobri somente agora. Seguem as referências e alguns comentários a respeito destes produtos.
ABAI (Associação Brasileira de Amparo à Infância). 2019. Filhos da Mãe Terra. Cantando, brincando e convivendo com a Mãe Terra! ABAI, Mandirituba, Paraná. 1 CD + livreto.
Este CD contém 16 músicas, cantadas por cinco meninas de nascença humilde, quase tão humilde quanto o próprio Jesus. Todas as canções são originais e foram desenvolvidas a partir de 2013, com letras do mandiritubense Gilberto Pereira da Silva, que convive com a ABAI desde a infância. Cada canção tem uma solista (todas as meninas têm a sua vez), o restante da meninada cantando em coral, e Carlos Todeschini, professor de música em Curitiba, fazendo um acompanhamento sublime no teclado. As canções são simples e de beleza singular. Cada ouvinte descobrirá no CD uma música favorita e no meu caso esta foi o número 8, na qual Ana Júlia de Andrade da Silva canta, com voz angelical e serena:
“Eu quero ser lembrado como alguém que amou profundamente.
O mundo, as árvores, os animais, pra uma vida diferente.”
O CD é acompanhado por um livreto atraente e muito bem diagramado, onde para cada canção é apresentada a letra e a melodia (através da escala de sons musicais). Também é mencionado como e quando cada canção surgiu e na qual tipo de atividade possa ser utilizado.
Para quem não conhece a ABAI: essa associação, idealizada pela imigrante suíça Marianne Spiller, existe há quarenta anos e é ativa dentro do município de Mandiritiba, onde “desenvolve programas e projetos socioambientais para 150 crianças e adolescentes na faixa etária de 04 a 18 anos, em modalidade de contraturno escolar, e mantém uma Comunidade Terapêutica para jovens e adultos que lutam contra a dependência química.” (Veja: www.abai.eco.br). O CD pode ser encomendado através do e-mail [email protected], ou por telefone: (41) 3626.1202.
KESSELI, Walmir Ubano. 2014. Pomar da saudade. A vinda de uma família suíça para o Brasil e o que semearam pelo caminho. Edição do autor, Curitiba. 371 pp.
Considero este livro uma obra-prima.
Trata-se de um romance histórico, no qual a personagem principal é Otto Kesseli, bisavô do autor, Walmir. Otto nasceu na Suíça em 1877 e faleceu em Antonina, Paraná, em 1958. Walmir nasceu em 1959, portanto não conheceu seu bisavô pessoalmente.
A seguinte informação apresentada neste livro, é importante: (pág. 26): “Estima-se que entre 1820 e 1915 cerca de 10% da população suíça emigrou para diferentes partes do mundo, motivados pelas condições econômicas adversas do país e as crises constantes de agricultura, (…).”
O cerne do livro (pág. 1-282) trata do período início de 1913 a início de 1915. Nestes dois anos, Otto, sua esposa Ida Koster e os cinco filhos (idades de 2 a 9 anos), partiram da sua propriedade na região Suíça de língua alemã (cidade de Rorshach, na margem do Lagoa de Konstanz) e viajaram ao porto de Hamburgo, onde embarcaram num navio rumo Brasil. Após da chegada em Rio de Janeiro foram para o sul e terminaram num sítio entre Ponta Grossa e o rio Tibagi, onde retomaram sua vida de agricultores. Ali chegaram a fazer uma breve visita à colônia de holandeses recém-estabelecida em Castro (pág. 149-151).(a) Otto também se aventurou um pouco na procura de pedras semipreciosas, sendo guiado nisso por um amigo indígena, pertencente aos caingangues. Numa pequena caverna na margem do rio Tibagi encontraram algumas ametistas e ágatas.
Ao contrário do marido e dos filhos, Ida não se adaptou ao Brasil e, morrendo de saudades do seu pomar e da sua lagoa, ela voltou para a Suíça sozinha. Ela não pretendia abandonar a sua cria, mas imaginou que, através desta atitude radical, obrigaria o seu marido a desistir do Brasil também e regressar. Aconteceu que o método dela não funcionou!
Em 1914, pouco tempo após da partida sigilosa da sua esposa, Otto e os seus cinco filhos se mudaram para Antonina, onde ele foi trabalhar no Porto dos Matarazzo.
Em 1919, após de ter conseguido legalmente o divórcio, ele se casa com a antoninense Ottilia Machado, vinte anos mais novo que ele (pág. 283). Então nascem mais quatro filhos, mas este segundo casamento acabe não dando certo e o casal se separa em 1931. Otília, então já morando em Curitiba com seus quatro filhos, arrumou um novo companheiro e com ele se muda para o interior do estado, mas só após dela ter mandado entregar seus filhos ao ex-marido, com a notável exceção de ‘Lola’, “menina dos olhos” do pai. Talvez para se vingar do “tempo perdido” com o velho Otto, ela tinha doado Lola, então com 9 anos, a um casal de ciganos ambulantes (pág. 288).
Lola só conseguiu localizar e se reencontrar com o pai e seus irmãos 17 anos depois! O livro não fornece pistas sobre o paradeiro posterior da sua mãe biológica.
Sim, este romance é repleto de dramas reais. Se você ache que vive alguns probleminhas, lê este livro e perceberá que poderia ser bem pior! Durante a vida de Otto, também ocorriam as duas guerras mundiais. Na Guerra Dois, sofrendo da xenofobia em Antonina e Curitiba, em cartório Otto muda o seu nome alemão para ‘Ótávio’ (pág. 282-283).
A pessoa por quem o leitor deste livro sentirá mais pena é Ida Koster, a primeira esposa de Otto. Ela regressou ao Brasil para se reunir com marido e filhos, mas não conseguiu localiza-los e quando finalmente descobriu onde estavam, Otto já estava namorando Otília, e Ida não se julgou no direito de interferir.
Ida nunca mais viu os seus cinco filhos, nem teve qualquer outro contato com eles (aparentemente, Otto não queria isso) e também nunca mais se casou. Ela faleceu em abril de 1958, na Suíça e Otto faleceu em Antonina, poucas semanas depois.
Apesar destes dramas, o livro não forma uma leitura pesada, ao contrário, é de conteúdo muito positivo e o autor Walmir se mostra uma pessoa madura e escritor responsável.
Apesar do autor não ter conhecido pessoalmente seus bisavôs paternas, para escrever este livro ele obteve as informações básicas através da sua correspondência com parentes na Suíça e nos Estados Unidos e, obviamente, teve como fontes importantes também o seu próprio pai – Wilson Kesseli, que nasceu em 1927 em Antonina, onde continue vivendo, hoje com 92 anos, – e seu avô – Otto Ernst Kesseli, primogênito de Otto & Ida -, que nasceu na Suíça em 1894 e faleceu em Antonina em 1982.
Mas, o que este livro tem a ver com o Natal? Bem, em primeiro lugar está repleta de nascenças: parte dos filhos de Otto, todos os seus netos, e todos aqueles bisnetos que nasceram durante a sua vida. Além disso, para Otto o Natal sempre foi o período mais feliz do ano, com a família inteira reunida ao seu redor. Então, ele tradicionalmente cantava “Noite feliz” em alemão (“Stille Nacht, Heilige Nacht”). Uma das mais belas partes do livro é a descrição do primeiro Natal vivido no Brasil, quando Ida ainda está com eles. Naquela ocasião, Otto foi convidado por um grupo de caingangues que visitavam o seu sítio, para lhes contar a história do nascimento do mundo e de Jesus (pág. 184-200). Imagino que este episódio foi criado pelo autor, o que é totalmente aceitável num romance histórico.
Um fato muito bom deste livro e que as pessoas de cor são tratadas com respeito e admiração, o que causa muito alívio em tempos nos quais até presidentes de nações gigantescas não mostram nenhuma preocupação com a expressão responsável e ‘politicamente correto’.
Eu acredito que a história contada neste livro fascinará também os suíços com parentes no exterior. Por esta razão acho que deveria ser traduzido para os três idiomas falados na Suíça: alemão, francês e italiano.
Espero que a tiragem modesta (1000 exemplares) desta primeira edição em português logo se esgotará, para que possa ser feito uma segunda edição em que os “erros de beleza” sejam corrigidos. Aqui me refiro ao uso um pouco excessivo de algumas palavras, como turrão, proativo, devedor.
Quem já visitou Antonina deve ter reparado na ‘Vila Kesseli’, uma casa de muito bom gosto, na Avenida Conde Matarazzo, No 513, em frente da atual Biblioteca Pública. Foi construído em 1944 pelo Otto Ernst (pág. 312) e foi ali que Wilson, o pai do autor, viveu sua infância (hoje a casa está sendo alugada por uma veterinária e habitada por cães).
Para encorajar aqueles brasileiros aposentados e com tempo de sobra, mas ainda hesitantes em iniciar a resgatar a sua história familiar, citarei as palavras finais deste livro (pág. 357):
“Quer queiramos ou não, todos nascem, crescem e morrem à sombra de um legado familiar, razão pelo qual sempre valerá a pena recordar e reverenciar a história dos nossos antepassados.”
Vocês, leitores desta carta, são todos imigrantes ou descendentes de imigrantes, e todas terão histórias das mais fascinantes a contar, que poderiam render belas romances históricos.
O livro “Pomar da saudade” pode ser adquirido com o seu autor. Eu não tenho o endereço eletrônico dele, mas ele é contatável pelo Facebook, na página “Recanto Tesseli”. O livro custa aproximadamente R$40.
(a) A colônia de holandeses em Castro, que, segundo o autor (ou, na imaginação do autor), foi visitado pelo casal Otto & Ida em 1913, trata-se da colônia de Carambeí, onde em 1911 tinham chegado os primeiros holandeses. Hoje Carambeí é município próprio, desmembrado em 1995 de Castro. Uma segunda colonização por holandeses em Castro foi iniciada meio século depois (1951), na região de Castrolanda.