Após três semanas de permanência na baixada litorânea, cheguei em Curitiba na noite da sexta para sábado, para passar na capital o primeiro fim de semana da nova primavera: os dias 29 e 30 de setembro. Pretendi curtir a cidade como ecoturista, mas trabalhando como naturalista.
Como é bom estar no planalto no começo da primavera! Como foi delicioso também: encontrei no meu caminho por toda parte frutos bem maduros de amora (Morus nigra) e da amoreira-preta-da-europa (Rubus ulmifolius). E como são lindas as flores deste maracujá silvestre, Passiflora actinia, totalmente ausente do litoral, mas muito abundante aqui no planalto.
Percorrendo a beira da floresta, frequentemente se repara um cheiro forte de mel. Provém das fartas floradas do vacum (Allophylus edulis) e do guaçatunga (Casearia sylvestris).
Sendo início da primavera, os répteis voltaram a aparecer e, infelizmente, a serem mortos pelo tráfego. No domingo encontrei no Parque Iguaçu (Setor Pesqueiro) o lagarto sem pernas chamado cobra-de-vidro (Ophiodes sp.). Estava morto e quebrado.
Com as temperaturas agradáveis, naquele dia havia no Parque Iguaçu crianças tomando banho nas “cavas”, os seus pais na margem, pescando ou descansando, algumas borboletas voando, ainda nenhuma mutuca incomodando e o saci (Tapera naevia) cantando e observando tudo.
O início desta primavera na capital teria sido perfeito, se não fosse o odor dos rios na atual época de estiagem. Felizmente, na noite do domingo choveu um pouco e já no dia seguinte encontrei alguns cogumelos comestíveis bem frescos: Coprinus comatus, entre a grama, e uma espécie de Agaricus (“champignon”), na margem da floresta.
Ao fazer turismo em Curitiba, a minha mãe (que esteve ali nos verões de 1980 e 1990) e a mãe dela e a avó dela, todas teriam prestado muita atenção às flores. Resolvi honrar essa minha herança pelo lado materno…
Neste fim de semana, estendido para incluir a segunda-feira, pude observar em Curitiba 196 espécies de plantas floridas.(a) Deste total, 48 estavam ainda sem flores na última vez que visitei a cidade, há três semanas. Interpreto este aumento súbito e grande (24,5%!) em espécies floridas como um sinal de que a primavera na capital chegou para valer. As espécies que iniciaram a florada nessas últimas semanas foram listadas no Apêndice 1.
Ainda cheguei em tempo para poder assistir o início da florada da árvore mais plantada nas ruas de Curitiba: a exótica tipuana (Tipuana tipu). No sábado ainda estavam raras as flores caídas da sua copa e tinha de procurar bem para encontrar uma. Mas hoje já são abundantes e daqui a algumas semanas o chão abaixo desta árvore estará forrado de amarelo.
(a) As caminhadas turísticas foram feitas nos bairros Alto Boqueirão (região do Zoológico; na segunda-feira), Boqueirão (Parque Iguaçu, Setor Pesqueiro; no domingo), Jardim Social e Tarumã (no sábado).
REFERÊNCIAS
Heukels, H. & S.J. van Ooststroom. 1973. Flora van Nederland, 17de druk. Wolters-Noordhoff, Groningen. 911 pp.
Apêndice 1. As espécies de angiospermas que em Curitiba iniciaram sua florada de 2018 na segunda metade de setembro.(1)
Família | Espécie | Cor | Flor | Ho | Procedência da espécie | |
Nome científico | Nome comum | |||||
Amaryllidaceae | Hippeastrum hybridum | amarílis (L) | Vo | 10-11 | hb | EX |
Anacardiaceae | Schinus molle | aroeira-salso (F, L) | Br | 9-10 | arv | PR |
Apiaceae | Petroselinum crispum | salsa (F) | Ve | 9-11 | hb | EX (sudeste da Europa e norte da África) |
Araliaceae | Hydrocotyle bonariensis | acariçoba-de-buenos-aires (F), acariçoba (L) | Br | 9-3 | hb | PR |
Asteraceae | Arctium minus | bardana (L) | Vi | 9-4 | hb | EX (Europa e Ásia) |
Argyranthemum frutescens | margarida-de-paris (L) | Am | 9-11 | hb | EX (Ilhas Canárias) | |
Campovassouria cruciata | – | Vi | 9-12 | arb | PR | |
Chrysolaena platensis | assapeixe (F, L) | Vi | 9-10 | ah | PR | |
Helianthus annuus | girassol (L) | Am | 8-5 | hb | BR | |
Mutisia campanulata | cravo-divino-alado (F) | Vo | 9-11 | arb (tr) | PR | |
Bignoniaceae | Dolichandra unguis-cati | unha-de-gato (F, L) | Am | 7-10 | arb (tr) | PR |
Jacaranda mimosifolia | jacarandá-mimoso (F, L) | Vi | 9-2 | arv | EX (Argentina,
Bolívia e Paraguai) |
|
Tecoma stans | bignonia-amarela (L) | Am | 9-11 | arv | EX (Antilhas) | |
Brassicaceae | Coronopus didymus | mentruz (L) | Br | 9-10 | hb | PR |
Sisymbrium officinale | – | Ve | 5-6; 9-12 | hb | EX (Europa) | |
Cactaceae | Rhipsalis floccosa | conambaia (F) | Br | 9-10 | hb (ep) | PR |
Caryophyllaceae | Cerastium rivulare | – | Br | 9-10 | hb | PR |
Silene gallica | alfinete-da-terra (L) | Br | 7-12 | hb | EX (Mediterrânea do Velho Mundo) | |
Celastraceae | Maytenus ilicifolia | espinheira-santa (L) | Br | 9-10 | arv | PPR |
Commelinaceae | Tradescantia fluminensis | trapoeraba | Br | 7-12 | hb | PR |
Fabaceae | Inga vera subsp. affinis | ingá-de-quatro-quinas (F) | Br | 9-11 | arv | PR |
Tipuana tipu | tipuana (L) | Am | 9-1 | arv | EX (Bolívia e norte da Argentina) | |
Gesneriaceae | Sinningia douglasii | batata-de-árvore | Vo | 8-10 | hb (ep) | PR |
Iridaceae | Babiana stricta | flor-de-veludo (L) | Az | 9-10 | hb | EX (África do Sul) |
Gladiolus X hortulanus | gladíolo, palma (L) | Am, Vo | 9-12 | hb | EX (Velho Mundo) | |
Iris germânica | íris-barbado (L) | Vi | 9-10 | hb | EX (Europa) | |
Lamiaceae | Ocimum carnosum | alfavaca-campestre | Vi | 9-3 | ah | PR |
Liliaceae | Lilium longiflorum | lírio-japonês (L) | Br | 9-11 | hb | EX (China e Japão) |
Loranthaceae | Struthanthus martianus | erva-de-passarinho (F) | Ve | 1-5; 9-10 | hb (pa) | PR |
Magnoliaceae | Magnolia grandiflora | magnólia-branca (F, L) | Br | 9-2 | arv | EX (Estados Unidos) |
Malvaceae | Sida cf. santaremensis | guanxuma (L) | Am | 1; 9-10 | hb | PR |
Meliaceae | Melia azedarach | árvore-de-santa-bárbara (L) | Vi | 9-11 | arv | EX (margem sul da Himalaia) |
Myrtaceae | Myrrhinium atropurpureum | murtilho (F) | Vo | 8-11 | arv | PR |
Orchidaceae | Epidendrum fulgens | – | Vo | 2-3; 9-10 | hb (ep) | PR |
Sacoila lanceolata | – | Vo | 9-10 | hb | PR | |
Plantaginaceae | Veronica arvensis | – | Az | 9 | hb | EX (Europa) |
Poaceae | Chascolytrum sp. | treme-treme (F) | Ve | 9-11 | hb | PR |
Melica sarmentosa | capim-trepador (F) | Ve | 9-10 | hb (tr) | PR | |
Melinis repens | capim-favorito (F, L) | Ve | 4-5; 9-11 | hb | EX (África do Sul) | |
Primulaceae | Anagallis arvensis subsp. arvensis | bacuru-de-cores (F), escarlate (L) | Vo | 9-3 | hb | EX (Mediterrânea do Velho Mundo) |
Ranunculaceae | Ranunculus sardous (2) | – | Am | 7-10 | hb | EX (Europa) |
Rosaceae | Rubus erythroclados | amoreira-branca (F) | Br | 7-11 | arb (tr) | PR |
Rubiaceae | Galium cf. nigroramosum | – | Ve | 9-12 | hb | PR |
Salicaceae | Casearia sylvestris var. sylvestris | cafezeiro-do-mato (F), guaçatunga (L) | Br | 8-10 | arv | PR |
Solanaceae
|
Solanum betaceum | tomate-arbóreo (L) | Br | 4-5; 9-10 | arv | EX (Andes) |
Solanum paranense | joá-velame (F) | Br | 9-2 | arb | PR | |
Typhaceae | Typha domingensis | taboa (F), tabôa (L) | Ma | 9-11 | hb | PR |
Xanthorrhoeaceae | Hemerocallis X hybrida | lírio-de-são-josé (L) | Am | 10-7 | hb | EX (Europa e Ásia) |
(1)
Nome comum: fontes são os fascículos da Flora Ilustrada Catarinense, 1965 até o presente (F), e os livros de Harri Lorenzi e coautores (L).
Cor = Cor dominante das pétalas (ou, algumas vezes, tépalas), lemas (para as poáceas) ou “escamas florais” (para as ciperáceas). Para espécies de asteráceas com diferença de cor entre as corolas liguladas e as corolas tubulosas, é considerado somente a cor das corolas liguladas.
Am = amarela; Az = azul; Br = branca; La = laranja; Ma = marrom; Pr = preta; Ve = verde; Vi = violeta, purpuro, rosada; Vo = vermelha.
Flor = Período da florada no leste do Paraná (observações pessoais a partir de 2005), indicada pelos números correspondentes aos meses.
Ho = Hábito: arv = arborescente; arb = arbustivo; ah = arbustivo-herbáceo; hb = herbáceo; (tr) = “trepador”; (pa) = parasita ou hemi-parasita (herbácea); (ep) = epífita.
Procedência da espécie: PR = nativa do Paraná; BR = nativa do Brasil, mas não do Paraná; EX = exótica (não nativa do Brasil).
(2) Ranunculus sardous ainda não tem sido comunicado para o território brasileiro (veja: www.splink.org). Será que está sendo confundida com R. muricatus?
Ranunculus sardous difere de R. muricatus no hábito reptante, nas sépalas revolutas e nos aquênios mais numerosos, de tamanho menores e de superfície tuberculosa, não aculeada (Heukels & van Ooststroom, 1973). Tenho encontrado material fértil de R. sardous em 22/07/2006 (Piraquara, rua Coronel Manoel Alves) e 30/09/2018 (Curitiba, Parque Iguaçu, Setor Pesqueiro).